A minha vida imita a minha arte

Espero que gostem
das nossas imitações
colocadas em palavras
virgulando, reticenciando
Nossos mergulhos
Nessa loucura chamada
Pensamento

Luciana Gaffrée

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sítio ("Maison de campagne"), da poeta brasileira ( de la poète brésilienne) Cláudia Roquette Pinto.

SÍTIO
O morro está pegando fogo.
O ar incômodo, grosso,
faz do menor movimento um esforço,
como andar sob outra atmosfera,
entre panos úmidos, mudos,
num caldo sujo de claras em neve.
Os carros, no viaduto,
engatam sua centopeia:
olhos acesos, suor de diesel,
ruído motor, desespero surdo.
O sol devia estar se pondo, agora
_ mas como confirmar sua trajetória
debaixo desta cúpula de pó,
este céu invertido?
Olhar o mar não traz nenhum consolo
(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,
vomitando uma espuma de bile,
e vem acabar de morrer na nossa porta).
Uma penugem antagonista
deitou nas folhas dos crisântemos
e vai escurecendo, dia a dia,
os olhos das margaridas,
o coração das rosas.
De madrugada,
muda na caixa refrigerada,
a carga de agulhas cai queimando
tímpanos, pálpebras:
O menino brincando na varanda.
Dizem que ele não percebeu.
De que outro modo poderia ainda
ter virado o rosto: “Pai!
acho que um bicho me mordeu!” assim
que a bala varou sua cabeça?

ROQUETTE-PINTO, Cláudia. Margem de manobra (2005)



Maison à la campagne

La colline prend feu.
L´air gênant, gros,
fait de n´importe quel moment un effort,
comme marcher sous une autre atmosphère,
entre les chiffons moites, muets,
dans un bouillon sale de blancs montés en neige.
Les voitures, sur le viaduc
font démarrer leur millepattes :
les yeux ouverts, la sueur de diesel,
bruit moteur, désepoir sourd.
Le soleil devrait être en train de se coucher, maintenant
mais comment confirmer da trajectoire
sous cette coupole de poudre
ce ciel inverti ?
Regarder la mer n´apporte aucun soulagement
(si c´est un chien immense, tremblant,
vomissant de l´écume de bile,
et il vient finir de mourir à notre porte).
Un duvet antagoniste
s´est allongé sur les feuilles de chrysanthèmes
et ils s´estompent jour après jour,
les yeux des pâquerettes,
le coeur des roses.
Pendant la nuit,
Changement dans la boîte climatisée
La charge d´aiguilles tombe brûlant
des tympans, des paupières.
Le garçon joue à la véranda
On me dit qu´il ne s´est pas rendu compte
De quelle autre manière il aurait pu encore
avoir trouné le visage. : « Père !
je trouve qu´une bête m´a mordu, aussitôt
que la balle a traversé sa tête ?

Roquette Pinto, Cláudia. Marge de manoeuvre (2005)
Traduit pour le français par Luiz Fernando Gaffrée Thompson

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