A minha vida imita a minha arte

Espero que gostem
das nossas imitações
colocadas em palavras
virgulando, reticenciando
Nossos mergulhos
Nessa loucura chamada
Pensamento

Luciana Gaffrée

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Páramo/Plaine Déserte, de Joaquim Manuel Magalhães.

PÁRAMO

Na varanda sem paz eu vejo o mar
mas já não vejo junto desses olhos
que viam o mar amordaçar-me.
A varanda, todavia, ainda traz
na ondulação, nas maresias
a ilusão de um silêncio
em que tu pretendias: aqui,
nesta lei tão dura, senti
que nada mais terei do que ser de ti.
A varanda continua a sua conjura,
eu continuo o desgaste do mar
só que noutra jura a tua vida dura
e até o mar te deixou de esperar.

O vário vento que vem e que voa
sobre argolas com vasos de gerânios
que tombam vagarosos e rosas
sobre ruas ruidosas de Lisboa
toca ao de leve no copo por que bebo
esquecido e sozinho ali
onde dantes vinhas com o maior apego
ouvir ao fim da tarde eu olhar para ti.

Ao alto dessas ruas que Lisboa já não tem
havia um andar quase arruinado
com o estilhaço, a cólera, o fermento
de quem se resignava também
a que não valesse a pena nada.
No vagar desse desmoronamento
essa ruína foi tua e foi minha,
o seu reboco de cal, a pele refém,
a cisterna petrificada.
Amávamo-nos entre eléctricos que passavam
do nascer do dia até ao nascer do dia.

Não há nada que se peça que nos seja dado
mesmo quando gritamos alto por perdão.
Merecemos tudo o que ficou fragmentado
no pensamento que não sabe inebriar-se
quando os sentidos perderam o condão.

Essas ruas de Lisboa que findaram
como findaram os dedos que prenderam
o bordão de ternura
que tantos outros nos cortaram.

Tal qual o prédio caímos
e apenas o pó
desenha entre o que nem persigo
um resto que sabe que está só
porque nenhuma solidão vem ter consigo.

MAGALHÃES, Joaquim Manuel. Alta noite em alta fraga (2001).



PLAINE DESERTE

De la véranda sans paix je vois la mer
mais je ne la vois plus auprès de ces yeux
qui voyaient la mer me baillonner.
La véranda, cependant, m´apporte encore
par les houle des marées
l´illusion d´un silence
où tu voulais : ici,
selon cette loi si dure, j´ai senti.
La véranda conjure toujours,
j´use toujours la mer
mais juste par une autre promesse ta vie dure
et même la mer a arrêté de t´attendre.

Le vent changeant qui vient et qui vole
sur des anneaux avec des vases de géraniums
qui tombent lents et roses
sur des rues bruyantes de Lisbonne
touche légèrement au verre où je bois
oublié et seul, là,
où avant tu venais très empressée
entendre en fin d´après-midi je te regardais.

Du haut de ces rues que Lisbonne n´a pas
il y avait un palier presque en ruines
avec des débris, la colère, le froment
de celui aui se résignait aussi
à ce que rien ne vaille la peine,
ton crépi à la chaux, la peau otage,
la citerne pétrifiée.
Nous nous aimions entre des tramways qui passaient,
dès l´aube jusqu´à l´aube du lendemain

Il n´y a rien qu´on demande qui nous soit donné
même quand nous crions pardon.
Nous méritons tout ce qui est resté fragmenté
dans la pensée qui ne sait pas s´enivrer
quand les sens ont perdu la baquette magique

Ces rues de Lisbonne qui ont fini
comme ils sont finis, les doigts qui ont attaché
le bourdon de tendresse
que tant d´autres nous ont coupés.

Tel le bâtiment nous sommes tombés
et que de la poudre
dessine entre ce que je ne suis plus
un reste qui sait qu´il est seul
parce qu´aucune solitude ne vient à sa rencontre.


De Joaquim Manuel Magalhães,
« Haute nuit sur un haut rocher »

Traduction en français de
Luiz Fernando Gaffrée Thompson
,

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