A minha vida imita a minha arte

Espero que gostem
das nossas imitações
colocadas em palavras
virgulando, reticenciando
Nossos mergulhos
Nessa loucura chamada
Pensamento

Luciana Gaffrée

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Hábito da Terra (Habitude de la Terre), do poeta/du poète Ruy Durate Carvalho

Descubro que a minha pele
já pouco guarda das manhãs festivas.

Podia reter a brisa dos augúrios
as palavras que o medo despojou
até arder no germe dos murmúrios.

Escolher uma paisagem de silêncio
a súbita bravura do seu eco
a lâmina do frio que levanta.

Há tardes em que a chuva se interrompe
para que a sombra invoque outro temor:
só um silêncio assim podia revelar
razões guardadas de uma voz futura.

Tranquilas são as paisagens onde a idade não conta.

Eu falo do olhar crepuscular das feras
da noite e da gordura que segrega
a sua fidelíssima paciência
a cativar o cheiro de manadas quentes.

E da indiferença das grutas
poupadas ao esforço do labor do dia.

Ou de mulheres sentadas
rezando acordos entre o gesto e o fogo.

Espírito do lago
Espírito do fogo
a labareda e a margem não dizem mais que o encontro.



Habitude de la terre

Je découvre que ma peau
garde peu maintenant des matins festifs

Je pourrais retenir la bise des augures
les mots que la peur a dépouillé
jusqu´à brûler aux germes des murmures

Choisir un paysage de silence
la bravoure soudaine de son écho
la lame du froid qui relève

Il y a des après-midis où la pluie s´interrompt
pour que l´ombre invoque une autre crainte
seulement un silence pareil pourrait révéler
des raisons gardées d´une voix future

Tranquilles sont les paysages où l´âge ne compte pas

Je parle du regard crépusculaire des bêtes fauves
du soir et de la graisse qui discrimine
sa fidélissime patience
captivant l´odeur des troupeaux chauds

Et de l´indifférence des grottes
épargnées de l´effort de la labeur de la journée

Ou des femmes assises
priant des accords entre le geste et le feu

Esprit du lac
Esprit du feu
fa flamme et la marge ne disent plus que la rencontre

de Ruy Duarte Carvalho,
Traduction en français de
Luiz Fernando Gaffrée Thomspon


Ruy Duarte de Carvalho. Hábito da terra. Poesia. Porto: Edições ASA, 1988. p. 20

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