A minha vida imita a minha arte

Espero que gostem
das nossas imitações
colocadas em palavras
virgulando, reticenciando
Nossos mergulhos
Nessa loucura chamada
Pensamento

Luciana Gaffrée

domingo, 15 de janeiro de 2012

Carta aos meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya/ Lettre á mes enfants sur les fusillades de Goya do poeta portuguès/du poète portugais J. de Sena

Estes fuzilamentos, este herosmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sêmen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa – essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez
alguém está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.

[…]
Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam “amanhã”.
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardamos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.


Lettre à mes enfants sur les fusillades de Goya, du poète portugais Jorge de Sena. Traduction en français de Luiz Fernando Gaffrée Thompson.

Ces fusillades, cet héroisme, cette horreur
a été une chose parmi mille autres, passée en Espagne
il y a plus d´un siècle parce que violente et injuste
a offensé le coeur d´un peintre appelé Goya,
qui avait un coeur très grand, plein de emporté
et plein d´amour. Mais cela, ce n´est rien, mes enfants..
Qu´un épisode, un épisode bref,
dans cette chaîne où vous êtes les chaînons (ou vous ne serez pas)
de fer et de sueur.et de sang et d´un peu de sperme
en chemin vers le monde dont je rêve pour vous.
Croyez qu´aucun monde, où rien ni personne
vaut plus qu´une vie ou la joie de l´avoir.
C´est cela qui importe le plus – cette gaité
Croyez que la dignité dont on vous ira tellement parler
n´est que cette allégresse qui vient
d´être vivant et sachant que jamais
quelqu´un est moins vivant ou souffre ou meurt
pour qu´un seul parmi vous résiste un peu plus
à la mort qui est à tous et viendra.

[...]
J´avoue que
souvent quand je pense à l´horreur de tant de siècles
d´oppression et de cruauté, j´hésite par moments
et une amertume m´engloutit inconsolable.
Seront-ils en vain ou non ? Mais, même s´ils ne le sont pas
qui fait ressuscister ces millions, qui restitue
non seulement la vie, mais tout ce que leur a été enlevé ?
Aucun instant qu´ils n´ont pas vécu, cet objet-là
dont ils n´ont pas joui,, ce geste
d´amour, qui feraient « demain » .
Et, pour cela, le même monde que nous créions
il nous,revient de le soigner, comme une chose
qui n´est pas á nous, qui nous est cédée
pour la garder avec respect,, comme une chose
en mémoire du sang qui coule dans nos veines
de notre chair qui a été une autre, de l´amour qui
d´autres n´ont pas aimé parce qu´on le leur a volé.

(1988a: 123/124)

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