A minha vida imita a minha arte

Espero que gostem
das nossas imitações
colocadas em palavras
virgulando, reticenciando
Nossos mergulhos
Nessa loucura chamada
Pensamento

Luciana Gaffrée

quinta-feira, 4 de março de 2010

COMO ESTRANHO SER ESTRAÑO ou O DESESTRANGEIRO NO CAMBIO

O turista adora tudo. Ri de tudo. É a curiosidade em pessoa. Fotos, compras, amigos, paixões, choques culturais rapidamente perdoados, mapas e taxistas, deixar-se levar, em uma identidade ainda intacta. As fotos levam na mala o “outro”. E o “outro” ainda é aquilo que eu quero que seja: bonitinho. Ele aí e eu aqui. Eu vou embora, e ele sabe. Um pacto confortável. Eu curto, porque o tempo é curto.

Já o imigrante perde o humor. Decididamente o tempo já não é curto. De repente, tudo perde a graça. O imigrante chora, sente saudades e não curte nada. Exige “ser ele” como ele era “no Brasil”. Quer falar português como na “sua cidade”, como com os “seus amigos”, discutindo a “sua história”, e vendo a sua Globo, que ficou lá, flutuando num tempo que, sabe-se lá, quando volta. E se volta, volta dublada, a novela, claro.

O imigrante ama o pronome possessivo, porque carece. O telefone que não toca. A casa que não fica cheia. O padeiro que não atende rápido. O garçom que não é cortês. O taxista que não é servil. A empregada que não é eficiente. Poucas frutas. Uma comida que não é rica. Um povo que não é tão divertido. Como nós. Uma gente que não pensa direito. Como nós. Esse é o problema! Eles decididamente não são como nós!

O imigrante é o estrangeiro em seu estado ainda estranho. Ele não se encaixa. Sente que tudo é mais complicado para ele. Fica com mania de perseguição: ninguém gosta de mim. Ou passa a delirar: o Brasil é o melhor país do mundo! Agarrou na sua brasilidade porque tem medo de perder a identidade. Medo de perder o seu “eu” possessivo. Medo. Medo de amar o “outro” e se esquecer de si. Resiste em cruzar a fronteira. Mas, já pisou a corda-bamba. A da identidade.

Quando o estrangeiro perde o medo da corda-bamba, consegue cruzá-la. Nessa travessia muda, troca, cambia. Sua identidade está maleável, flutuando entre lá e cá. Anda sem pisar em terra firme. Nessa corda-bamba ele se vê como de fato é: desterritorizado. Ele agora é um desestrangeiro. Aquele que voltou a rir. A rir em português e em espanhol. A falar em português e em espanhol. A comer em português e em espanhol. A ler em espanhol e em português. A amar em português e em espanhol. E tanto faz.

É dizer “nós uruguaios” sem querer. É pensar em espanhol sem perceber. É amar o outro sem o outro saber. É passar como eles, é estar com eles, é saber ser como eles. É olhar pra trás e pensar, como estraño ser estranho a eles. Agora já nem sei quem sou. Só sei que sou parecido a eles e eles a mim.

Luciana Gaffrée
Conselheira Cidadã
Mãe de um menino e uma menina, ambos binacionais
13 anos no Uruguai

2 comentários:

Guillermo Uria disse...

Que reflexión más acertada.

Hürrem disse...

Minha amiga Conselheira cidadã no Uruguai, esse é um dos melhores textos escritos por ti, não é a toa que foi o texto escolhido pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro para representar os sentimentos das comunidades brasileiras residentes no exterior!! Parabéns amiga! Beijosss