O ABRAÇO CONGELADO
Luciana Gaffrée
Era um abraço forte, ainda não se sabia se de despedida ou de recomeço, de fim ou de início, era apenas um forte, silencioso e congelado abraço.
O ruído do aeroporto não entrava em suas cabeças, vazias de pensamentos, mas saturadas de sentidos. O sentido do cheiro, do tempo, da textura do corpo, da forma, do volume - esta particularidade do real - o volume pesado e gravitacional do ser.
Nessa duração, a do abraço, silenciosamente e lentamente coxas se percebiam e também se revelava o encaixe dos corpos, que irrefreavelmente se atraiam.
Mas, se voltarmos ao primeiro parágrafo, leremos que não se sabia se despedida ou recomeço, se fim ou início.
Para ele despedida, para ela início. Para ele saudade do que passou, para ela saudade do que ainda não aconteceu. Para ele, foi tempo demais. Para ela, o tempo nem começou. Para ele, uma suave amizade, para ela um desejo devorador de músculos.
Essas foram as frases que um narrador diria, buscando dar explicações a um leitor ansioso dos porquês. Mas, como também se pode ver no segundo parágrafo, estavam ambos vazios de pensamentos.
Teria eu, a narradora, que explicar a esse leitor ou leitora, o porquê de ser um “congelado abraço”. Dizem que metáforas falam sozinhas. Mas, no meu intuito de convencimento, me levo a romper com a poética para buscar meus mais sórdidos interesses pessoais.
Esse adjetivo – congelado – não foi ocasional. Ele revela o que só os dois sabem. Sua história sempre foi congelada. Congelada porque nada existe nem existirá. A existência só será descongelada pelo calor da realidade. Ou não e eles terão achado que foi tudo um sonho, como sabe bem o meu amigo de la Barca, vocês sabem, o doido do Calderón.
Voltemos ao aeroporto. Ainda vejo o abraço, pois não passou nem um minuto, esse meu aparte pareceu longo, mas não. Eles ainda estão como eu os deixei. Abraçados. O abraço congelado.
Se eu fosse uma mosca, escutaria seus ossos. Os ossos estão se descontraindo dentro do abraço. É uma descontração muito mais forte do que a muscular. O que descontrai são os ossos. Incrível. E o ruído seria algo assim como creque, crieque, criiieeeque, baixinho demais. Será o volume tomando mais espaço físico do que o esperado?
Se eu fosse um fotógrafo, eu teria observado os fios dos cabelos dela, que nesse abraço alguns voam ao vento, outros são agarrados pelas mãos dele, aconchegados em seus dedos de pianista marceneiro. Entre os fios soltos e os agarrados, o fotógrafo poderia ver os que possuem o espaço do outro, alguns fios que caem no ombro dele, possessivamente caem. Dominantemente caem.
Se eu fosse um anjo, veria os corações, em cada um uma rosa diferente, a dele é branca, com um coração vermelho dentro dela, e dentro ainda desse coração, vemos uma cruz bem negra, bem escura. Já no coração dela vemos uma rosa vermelha e uma caixinha sem a chave. Dizem que dentro desta caixinha estaria o olho do Hórus, mas não acreditemos em boatos.
Se eu fosse ela, teria o levado ao seu quarto.
Se eu fosse ele, a teria levado ao seu quarto.
Se eu fosse ela, teria beijado os seus lábios.
Se eu fosse ele, a teria deixado nua.
Se eu fosse ela, estaria usando perfume.
Se eu fosse ele, teria trazido seu amor.
Se eu fosse ela, teria esperanças.
Se eu fosse ele, descongelaria o tempo.
Era um abraço forte, ainda não se sabia se de despedida ou de recomeço, de fim ou de início, era apenas um forte, silencioso e congelado abraço.
................ Fim ...............
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